Não há segredos sobre esse assunto, tenho pavor de altura. Não é um medo congelante, que me impeça de fazer todas as coisas. Vou em montanha russa, fiz arvorismo, brinquedos altos. Contudo já deixei de me divertir muito (ia em um brinquedo alto e o medo impedia de ir em outro 30 minutos depois), cancelar passeios e até ter dificuldade em aula de natação. Estava na aula sobre mergulho, na beira da piscina e o instrutor estava intrigado. Eu demonstrava muita ansiedade, medo e pulava todo errado. Ele decidiu fazer um teste me colocando deitado em um colchão flutuante e olhando para cima. Sem avisar ele me derrubava do colchão para tentar verificar minha reação. O instrutor não entendeu nada, pois eu não reagia como alguém que tinha medo d’água. Não contei para ele, mas na hora do mergulho, ao olhar para o fundo da piscina, dava medo de altura.
Então no domingo passado, 6 de dezembro de 2015, ocorreu o evento mais esperado em quase quarenta anos ocorreu – desci a Pedreira do Dib de rapel. Foi a via mais curta, 38 metros, mas me enchi de orgulho. Desci duas vezes, parando para fazer pose para a câmera, olhar para baixo e até descansar no meio da descida. Tudo muito simples e fácil, certo? Essa é a história dos bastidores desse rapel.
Tudo começa no Parque das Neblinas, no início de outubro de 2015, um belo passeio com trilha, canoagem e um banho de rio. Isso tudo veio com um brinde, comecei a fazer arvorismo sem perceber. Devido ao relevo local, as pontes de cordas começavam no chão e acabavam nas copas das árvores. E de trecho em trecho, ainda no alto, fui andando sem medo. Estávamos em seis ou oito pessoas no almoço, ainda no parque, comentando nossa aventura quando Sônia Curralo, uma das garotas que conheci na viagem, falou que também tinha medo de altura, mas se sentiu bem no local. A gente brincou que dali já dava para fazer um rapel!
Já naquela viagem o pessoal criou um grupo de WhastApp e a Sônia, para não perder a adrenalina, postou sobre rapel algum tempo depois. A coisa não deu em nada na hora, mas fiquei com aquilo na cabeça. Mais alguns dias e pergunto para ela se o rapel estava de pé. Por sorte havia duas vagas para a via mais curta em dezembro. Se quisesse fazer mais cedo tinha que descer a de 108 metros, ou seja, não!
Durante as várias semanas de espera encarei a aventura como tranquilidade. Sônia, moça medrosa, disse que ficou assustada com uns vídeos. A minha ficha só começou a cair um dia quando voltei para casa e subi os oito andares de escada. Quando cheguei ao meu apartamento, no oitavo e último andar do prédio, tive um momento de iluminação. 38 metros é mais do que a altura do meu prédio. 38 metros é bastante. 38 metros deve ser quase o dobro do meu prédio. Foi a primeira vez fiquei ansioso e assustado com o rapel.
Comentei minha descoberta para Sônia e ela perguntou se queria desistir. Nesse dia nasceu meu lema dos dias seguintes: Vai ter rapel! Sabe aquele filme do Porta dos Fundos imitando Coração Valente? A parte que o cara fica falando “Vai ter luta“? Igualzinho. Comecei a contar para todo mundo que iria fazer rapel, acho que para criar um senso de responsabilidade. Teria que fazê-lo. Não fiquei pesquisando muito sobre o assunto e no máximo vi umas fotos. Dizia para mim mesmo que 6 de dezembro era o dia de perder o medo de altura.
Chega o dia 5 de dezembro e eu estava absurdamente calmo. Iria de carro com a Sônia até a Pedreira e ficamos de marcar horário e caminho. Ficamos é maneira de dizer, era tudo tarefa minha. Pedi 30 minutos, procurei as opções e marcamos cedo no metrô Alto do Ipiranga. Como de costume, no dia seguinte eu estava quase uma hora adiantado, o que só percebi no caminho. Estava indo tudo bem. Peguei um ônibus até a estação Butantã, desci na Paulista, fui para a Consolação e peguei a linha verde até o destino. Nada de anormal.
De repente, ele chegou! O medo! O pavor! Comecei a ter uma crise de pânico. Estava calmamente trocando de música no celular quando comecei a passar mal. Tontura, suava frio, estômago embrulhado, não sabia se cagava ou vomitava. Esperava não fazer nenhum dos dois. Estava tão mal que pensei em ligar cancelando. Me segurei até a estação Chácara Klabin para ver como ficava. Não melhorei e pensei em descer na estação Santos-Imigrantes e ir ao banheiro, mas tive medo de desistir do rapel. Me segurei novamente.
Na estação Alto do Ipiranga me senti em outro filme do Porta dos Fundos, aquele da caganeira. Primeiro sai vagão e enfiei a cabeça no latão de lixo. Droga, não era por aquele lado que o medo queria sair! Subi as escadas calmamente (pressa nessas horas é pior), pedi ajuda para um segurança, mas não havia banheiro na estação. Ainda bem que estava bem adiantado, porque fui para a rua procurar um bar ou padaria. Como no vídeo do Porta dos Fundos (assistiu?), entrei e pedi um misto quente. Não parecia uma boa idéia, mas estava com fome e precisa de uma desculpa para usar o banheiro. Não sabia como iria deixar o lugar após usá-lo. Por sorte deu para sentar com calma, despejar o medo e mandá-lo descarga abaixo. Sai limpinho da coisa toda. Comi meu misto quente e fui esperar a Sonia e já me sentia bem novamente quando ela chegou. Claro que já estava exausto, então dormi quase o caminho inteiro para a pedreira (há boatos de que dormi ainda mais na volta…).
Chegando ao local tive uma primeira má impressão. Não pareciam 38 metros, mas umas dez vezes mais. Pouco mais tarde descobri que aquela era via de 70 metros. A minha era mais baixa, numa posição que não dava para olhar diretamente para baixo. Sônia ainda comentou sobre chuva, como seria. Lembram-se do lema? Respondi – Vai ter rapel. Quase me borrei todo por nada? Na verdade ela só vai saber dessa parte quando ler esse post. kkk
Na hora de experimentar o equipamento, por ser perto (uns dois metros) da beira fiquei com medo. Tentei ser o primeiro a descer, mas passaram uns cinco na minha frente. Quando chegou minha vez, cada passo que dava pensava em desistir. Sônia disse que minha mão tremia tanto que dava para pular corda, que estava certa que não iria descer. Chegou finalmente o ponto sem retorno, onde é mais seguro descer do que arriscar me puxar. Virei para o fotógrafo, dei um sorriso e comecei a descer. Parei várias vezes para ser fotografado. Na segunda vez o medo ainda estava lá, desci até um pouco mais nervoso, cometi uns erros. Gente, é super seguro se feito com equipamento e supervisão. Façam!!!!
Moral da história? O medo sempre estará lá, nunca me livrarei dele, mas não manda mais em mim. Agora eu mando. Estou atrás de uma cachoeira para descer. Sugestões?
oi Piter, tudo bem? gostei da matéria, bem legal! vc teria o número do celular da Sonia Curralo? sou amigo dela e perdemos contato há um tempão, gostaria de retomar! obrigado!